A geração Y transforma a gestão nas empresas em que é ouvida

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O presidente da consultoria e auditoria EY (nome atual da Ernst&Young), Jorge Menegassi, riu sozinho quando, dias atrás, recebeu um ­e-mail de um trainee que pedia ao receptor da mensagem, caso fosse a secretária, que passasse o recado para o executivo, pois o jovem queria ter a resposta diretamente de Menegassi.

“Quando, na minha época de trainee, eu teria tal liberdade?”, diz Menegassi, que entrou na empresa como trainee há 37 anos, numa época em que o principal líder era uma figura praticamente inacessível para os novatos. “A menos que eu encontrasse o presidente no elevador por acaso, meu acesso era restrito. Havia muitas barreiras, o que inibia a aproximação”, afirma Menegassi.

Hoje, ele recebe sugestões dos funcionários com frequência e garante que responde a todas as mensagens, por e-mail ou no Facebook. “Os jovens me adicionam nas redes sociais como amigo.” Mais do que sinalizar que os tempos mudaram, o depoimento de Menegassi mostra um presidente conversando de maneira franca com os funcionários que estão dando seus primeiros passos de carreira.

O diálogo aberto é, hoje, o laço que amarra os novos profissionais interessados em progredir na carreira a empresas em busca de resultados. Os dois objetivos podem ser convergentes, desde que uma parte ouça a outra. É isso que ocorre nas 35 companhias que participam da quarta edição do Guia VOCÊ S/A — As Melhores Empresas para Começar a Carreira.

A pesquisa, realizada em parceria com a Fundação Instituto de Administração (FIA) e Cia de Talentos, ouviu a opinião de 12.443 jovens de 77 empresas, de um total de 100 inscritas.

“Para os jovens é muito importante sentir que fazem parte dos rumos do negócio e que são ouvidos até pela alta gestão”, diz Joel Dutra, professor da Fundação Instituto de Administração e um dos coordenadores do guia.

A tecnologia tornou o acesso às pessoas mais fácil, e a diminuição de níveis hierárquicos aproximou os funcionários. “Por se sentir mais próximo, o jovem tem menos medo de se expor. As outras gerações também percebiam as incoerências, mas nem sempre tinham acesso aos chefes”, diz Danilca Galdini, sócia-diretora da Next View, corresponsável pela realização da pesquisa.

Para a geração Y, nascida a partir de 1986 e estreante no mercado de trabalho em meados dos anos 2000, almoçar ao lado do chefe é comum. Falar sobre os problemas da empresa e propor soluções para essas questões é tão corriqueiro para eles quanto ligar o computador e entrar no Facebook.

Com a intenção de se aproximar dos funcionários mais novos e diminuir os obstáculos que separam as gerações, o presidente da Siemens, Paulo Stark,­ que começou na empresa como estagiário há 26 anos, passou a trabalhar sem gravata. “Quero criar uma abertura para que as pessoas possam interagir comigo, e tirar a gravata desburocratizou a figura do CEO (sigla em inglês para presidente)”, diz o executivo.

Quando assumiu a presidência da Siemens, em outubro de 2011, Paulo encontrou pessoas talentosas e experientes, mas muito apagadas e reprimidas por um ambiente interno muito formal. “Isso me entristeceu. Não conseguimos tirar o melhor das pessoas quando elas estão desmotivadas.”

Antes de Paulo assumir a presidência, toda a diretoria almoçava em um restaurante especial para os executivos. Mas desde 2012, quando fizeram uma avaliação do que era importante para os funcionários para que conseguissem recuperar o ânimo e a motivação, viram que em primeiro lugar era preciso mudar a postura da liderança.

Seguindo o exemplo de Paulo, a diretoria também relaxou a vestimenta, tirando a gravata. E todos passaram a frequentar o bandejão. A turma jovem foi a que melhor respondeu a essa nova atitude. Quando há um lugar vago ao lado de um diretor, eles fazem questão de sentar-se lá e puxar assunto.

“Empresa que facilita esse processo de comunicação, dando meios e canais de os jovens se manifestarem, aumenta o envolvimento deles no dia a dia, porque isso faz toda a diferença para os jovens”, diz Guy Cliquet, coordenador do curso de gestão de pessoas do Insper.

Além dessa liberdade virtual que a internet e as redes sociais propiciaram, as empresas têm criado e estimulado o uso de programas como Fale com o Presidente, Almoço com o Presidente, Café com RH para facilitar o diálogo dos executivos com os jovens. “Isso propicia o acesso, que eles exigem ter”, afirma Guy.

Assim como a EY e a Siemens, muitas empresas, depois de experimentar a aproximação entre as diferentes gerações que convivem no escritório, perceberam que suas práticas já não estavam servindo para a nova safra de profissionais que são admitidos. E, então, passaram a estudar como se comunicar melhor com eles para retê-los.

“O engajamento e a retenção aumentam quando esses jovens são ouvidos e, mais, quando suas sugestões são implementadas”, diz o professor Joel Dutra. Cerca de 83% das 35 Melhores Empresas para Começar a Carreira afirmam que também implementaram ou atualizaram suas práticas por causa dos jovens. É um forte indício de que esse cenário de mudança está tomando conta das corporações.

Parte do resultado

Na Central Nacional Unimed, o presidente e fundador, Mohamad Akl, costuma dizer aos chefes: “Escutar com atenção é fundamental para o sucesso”. Por isso, o RH desenvolveu, em 2011, um canal específico para ouvir os jovens, que representam 28% do quadro.

“A ideia é possibilitar a esses profissionais que manifestem dúvidas, ansiedades, expectativas e desejos. As boas relações devem ter um bom começo”, afirma. Na primeira parte do evento, são apresentados aos empregados os resultados obtidos nas últimas pesquisas. Depois, eles se dividem em grupos e apontam os pontos a melhorar.

“É fascinante para o jovem quando a empresa mostra o caminho que vai tomar, e ele pode opinar sobre esse caminho. Ao mesmo tempo que traz segurança, porque ele entende o que está acontecendo e demonstra a transparência da empresa em dividir a informação. Tudo o que ele valoriza”, diz Danilca.

“Esse jovem quer saber quais os próximos passos da empresa, os resultados que ela pretende atingir para saber de que forma ele pode ajudar. Ele quer fazer parte do resultado”, afirma Guy Cliquet, do Insper. Por trás da vontade de contribuir com a empresa está o desejo de crescer profissionalmente, de deixar uma marca pessoal no trabalho.

“Essa turma tem dificuldade em investir tempo e energia em algo que é muito importante para a empresa mas que não traz retorno para ele. Essa turma só fica no emprego se aquela tarefa o transformar em um profissional melhor. O jovem quer uma realização que ele possa carimbar no currículo e que não precise esperar cinco anos para entregar”, diz Pedro Zanni, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

Por isso, para muitos deles estar próximo de quem decide faz tanta diferença. Sabendo disso, Jose Varela, presidente da 3M no Brasil, decidiu criar um canal de comunicação com os funcionários, de olho também em aumentar a interação com a moçada.

Há um ano, ­Varela posta uma vez por semana textos sobre diversos assuntos, inclusive, pessoais. Cada post tem, em média, 400 visua­lizações e muitos comentários. “Não deixo as pessoas sem resposta”, diz ele.

“Quero mudar esse mito de que presidente vive em outro mundo e mostrar que estamos juntos no mesmo barco. Os jovens, principalmente, percebem de forma positiva que a empresa quer estar mais próxima”, afirma Varela.

Do blog, veio uma sugestão de um contato mais face a face, e o próprio presidente deu a ideia do almoço, realizado uma vez por mês, com oito pessoas, para que a conversa flua. De um desses almoços, veio a sugestão da Universidade Corporativa, que está sendo implantada neste ano.

“A necessidade de comunicar cresce de forma exponencial, e esses jovens querem estar conectados. É urgente que façamos essa comunicação mais próxima”, diz Varela.

No Grupo MM, rede de lojas de móveis e eletrodomésticos de Ponta Grossa, no Paraná, há bem pouco tempo os jovens começaram a mandar e-mails diretamente para os principais executivos da companhia, com diversas demandas de treinamento. O superintendente Marcio Pauliki recebe cerca de 80 e-mails por dia dos funcionários.

“Tento responder a todos na mesma hora”, diz. Quando o RH ficou sabendo do número de mensagens que estavam sendo trocadas entre jovens e executivos, decidiu agir.

“Criamos uma comissão, formada por profissionais mais novos, com orçamento próprio para trazer treinamentos e cursos de desenvolvimento específicos para eles, que administram o dinheiro e escolhem os cursos e as palestras”, diz Rildo Reis, gerente de gestão de pessoas do Grupo MM.

Iniciativas como essa são importantes, afirma Rildo, porque os profissionais se sentem valorizados. O resultado é o maior envolvimento no dia a dia. Na MM, segundo o executivo de RH, 90% dos objetivos estratégicos para este ano foram apontados pelos funcionários.

Na EY, nas conversas com o presidente, Jorge Menegassi, um encontro aberto a todos os funcionários, uma das perguntas mais recorrentes é: “Como eu posso contribuir para o resultado da empresa?”. Tal anseio deu ao RH a ideia de promover desafios para que os jovens resolvam algumas questões importantes para o negócio.

Foi então criado, há dois anos, um programa chamado Inovation Lab, em que os nove sócios-diretores da companhia se reúnem e lançam um problema diretamente relacionado a um desafio da empresa que é divulgado pela intranet e por e-mail.

“Temos uma série de desafios na companhia, e eu gostaria de usar a inteligência e a criatividade dos funcionários para que eles pensem em novas formas de fazer algo que não tenhamos pensado ainda”, diz Elisa Carra, diretora de RH.

Pelo menos uma questão é lançada a cada trimestre, com a meta de que sejam oito por ano. Com a participação, os funcionários vão acumulando pontos, que podem resgatar em vale-cultura e em viagens.

Mais flexibilidade

Ao entrar em alguns escritórios às sextas-feiras depois das 16 horas pode-se notar a mudança que esses jovens estão promovendo nas empresas, pois grande parte deles está vazia. Dentre as 35 Melhores Empresas para Começar a Carreira, 48% oferecem horários flexíveis, como a chamada Short Friday (sexta-feira curta) e 57% têm um sistema de compensação de horas extras.

Trabalhar de casa pelo menos uma vez por semana também começa a ser realidade em algumas companhias — 14,3% das 35. Isso porque um dos principais valores dessa geração é a busca do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Não quer dizer que esse jovem quer trabalhar menos, pelo contrário, ele se dedica integralmente ao que faz, mas ele tem um portfólio de interesses e é muito importante para ele atender a esse portfólio.

“A geração X sempre privilegiou o projeto profissional e subordinou os outros projetos ao trabalho. Hoje, a nova geração su­­bordina o projeto profissional à vida pessoal. E é muito possível que essa geração influencie a geração X mostrando essa importância”, afirma Joel Dutra, da FIA.

A Siemens — assim como a Promon — faz parte dessa minoria que já estabeleceu o home office para todos. É opcional ficar pelo menos um dia em casa e trabalhar remotamente. “A prática já existia de maneira informal e está sendo incentivada, pois acreditamos que essa confiança no trabalhador aumenta a produtividade individual”, diz a executiva de recursos humanos Sylmara Requena.

A adesão foi bacana. Depois do programa de incentivo, o número de acessos remotos aumentou 35%. Na pesquisa interna de clima, 59% dos entrevistados responderam que fazem home office e 95% consideram uma boa ou excelente prática. Na Promon, 20% das baias foram reduzidas para incentivar a prática.

Na Alcoa, a política de home office é muito parecida — opcional e um dia por semana. Durante o verão, às sextas-feiras, os funcionários são liberados às 15 horas. E, lá, são eles que fazem o próprio horário de trabalho, tendo a possibilidade de iniciar a jornada entre 7 horas e 10h30.

“Fizemos uma reflexão de como adaptar algumas práticas para atender a essa necessidade de equilíbrio dos jovens. Acredito que eles veem nesses tipos de iniciativa, como o home office e a Short Friday, um ambiente mais atraente”, afirma Vânia Akabane, diretora de recursos humanos e assuntos institucionais da Alcoa.

Ainda segundo ela, essas práticas contribuem para a retenção. De 2011 para 2013, o turnover da empresa caiu 22%, e dentre os engenheiros caiu 62%. Na 3M, localizada em Sumaré, em São Paulo, o horário flexível também já é uma realidade, novidade no interior. Lá, os funcionários podem entrar até às 10 horas.

Não chegou aqui

Nas 35 Melhores Empresas, apenas 17% dos empregadores afirmam que os jovens não estimularam nenhuma mudança em suas práticas de gestão ou em seus processos.

Cielo, operadora de cartões, é um exemplo. Segundo Roberto Dumani, vice-presidente executivo de desenvolvimento organizacional, as práticas já foram criadas muito conectadas ao mercado e atendem também aos anseios dos jovens.

“Para todos os funcionários, não importam a idade, o credo ou a raça, há as mesmas políticas. Isso não significa que a gente não vá aperfeiçoando com o tempo”, afirma. Na Cielo, há a possibilidade de adotar horários flexíveis e home office.

Na Oxiteno, a resposta em um primeiro momento foi a mesma. “A gente trabalha com jovens há muito tempo. Nosso programa de trainee tem 20 anos e exigiu muitas adaptações ao longo desse período. O que eu posso dizer é que há três anos talvez não tenha mudado nada”, diz o diretor de RH, Fauze Diab.

À medida que entravam na companhia, os jovens obrigaram o RH a formalizar os processos de feedback, por exemplo, que agora acontecem a cada três meses. “Ainda não aderimos, mas acho que um desafio de curto prazo para nós está relacionado à flexibilização da jornada de trabalho — home office e horário de entrada mais flexível”, afirma.

Uma adaptação recente e perceptível impulsionada pelos jovens foi a agilidade na comunicação. No último semestre, esse quesito subiu 4 pontos percentuais na avaliação dos funcionários na pesquisa de clima e 90% afirmam que entendem como o papel deles contribui para os objetivos da Oxiteno.

São sinais que mostram que, nas empresas que aprenderam a dialogar com essa turma, as transformações são visíveis e beneficiam a todos. Nos depoimentos dos profissionais que aparecem ao longo desta reportagem fica claro que mudar ou melhorar uma realidade na empresa em que trabalha exige uma dose grande de boa vontade, muita conversa e, claro, ter um patrocinador.

Pode ser o chefe ou a área de RH. Para os líderes, o desafio é compreender que a nova safra de funcionários está aí a fim de contribuir para melhorar o negócio. O gestor que ainda não entendeu isso pode estar perdendo gente, achando que o empregado está trocando o trabalho apenas por mais 10% de aumento no salário.

Fonte: Exame