Tribunal dos EUA decidirá se quem tem Síndrome da Autocervejaria pode dirigir

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Quando, no ano passado, a Polícia de Hamburg, no Estado de Nova York, prendeu uma professora de 35 anos por dirigir embriagada, o teste do bafômetro havia indicado uma concentração de álcool no sangue de 0,33% — quatro vezes mais que o limite máximo, admitido por lei, que é de 0,08%.

Na delegacia, ela disse insistentemente ao advogado Joseph Marusak que havia tomado apenas três drinques leves, há várias horas, na casa de parentes. E afirmou que era assim mesmo: às vezes parecia que estava meio bêbada, sem ter ingerido qualquer bebida alcoólica.

Marusak decidiu pesquisar essa possibilidade na internet. Descobriu que existe um distúrbio intestinal raro, chamado “Síndrome da Autocervejaria” ou “Síndrome da Fermentação” (Auto-Brewery Syndrome, em inglês), em que o organismo da pessoa converte o açúcar derivado de alimentos e bebidas em álcool e gás carbônico.

A pista veio de uma notícia da BBC, em março, sobre o inglês Nick Hess, de 35 anos, que foi diagnosticado com a doença. Para ilustrar seu caso, Hess disse à emissora que fica bêbado quando come batatas fritas.

Através de uma pesquisadora do distúrbio, Marusak chegou ao médico Anup Kanodia. O médico explicou que a levedura no sistema digestivo faz a conversão de açúcar em etanol. Outro estudo menciona o fungo Saccharomyces cerevisiae, que é usado no processo de fabricação de cerveja.

Kanodia disse a Marusak que está trabalhando com outros cinco advogados nos EUA e no Canadá em casos semelhantes. O distúrbio, sempre muito raro, está ficando mais frequente. O corpo se adapta à presença do álcool que circula no sangue, de forma que as pessoas não parecem estar embriagadas todo o tempo.

Sob a orientação de Kanodia, a cliente do advogado foi observada por um período de 12 horas, por dois enfermeiros e pelo assistente de um médico. Nesse período, ela não ingeriu qualquer bebida alcoólica e a equipe médica mediu, periodicamente, a concentração de açúcar em seu sangue com um bafômetro. Os resultados variaram de 0,279% a 0,40%.

“Essas pessoas podem ser consideradas legalmente embriagadas. Mas elas caminham, não caem e funcionam normalmente”, disse Kanodia ao jornal Buffalo News. “Eu diria que 95% das pessoas que ficam embriagadas, sem beber qualquer bebida alcoólica, ainda não foram diagnosticadas”.

Trancamento
Diante desses fatos médicos, o advogado pediu ao juiz Walter Rooth para, “no interesse da Justiça”, extinguir a ação criminal que foi movida contra a professora. O juiz concordou.

O promotor encarregado do caso anunciou que vai recorrer contra a decisão. Para a Promotoria, não interessa de onde veio a embriaguez. Se o motorista está embriagado, não pode dirigir. E não se pode conceder uma licença para pessoas com Síndrome da Autocervejaria provocar acidentes (no caso da professora, não houve acidente).

Entre os profissionais de Direito consultados pelo jornal e que escreveram comentários sobre a notícia, não há consenso. Alguns concordam com a Promotoria. Afirmam que é irrelevante, para a lei, se ela consumiu bebidas alcoólicas ou se seu organismo produziu o álcool.

Outros argumentam que o simples fato de a pessoa estar com uma alta concentração de álcool no sangue não significa que esteja embriagada, porque seu organismo já aprendeu a tolerar o etanol e suas funções podem estar normais.

Esse é um problema, dizem, decorrente do fato de se usar números arbitrários para definir o estado de embriaguez, em vez de se medir o quanto a capacidade da pessoa de dirigir está afetada pela presença do álcool no organismo. Há remédios, por exemplo, que são piores do que um certo nível de álcool no organismo.

Alguns alegam que não é justo cassar a licença de todas as pessoas que sofrem a doença, porque elas não estão embriagadas o tempo todo e a produção de álcool pode ser controlada com dieta. O álcool no organismo é derivado do açúcar, que vem de alimentos que se transformam em sacarose, frutose ou lactose. Quanto mais esses alimentos forem evitados, mais a produção de açúcar será reduzida – um problema semelhante ao dos diabéticos.

Mas, o que diz o médico Anup Kanodia? Perguntado se uma pessoa com Síndrome da Autocervejaria, com uma concentração de álcool no sangue de 0,33% pode dirigir, o médico disse ao jornal: “Eu diria que não é seguro dirigir um carro se você está sob um forte efeito dessa síndrome. Mas, essa é uma doença nova e ainda estamos tentando entendê-la”.

Caberá a um tribunal de recursos do estado de Nova York decidir se essas pessoas podem ou não dirigir.

Fonte: Conjur