Juíza do Trabalho fala sobre as consequências do uso das redes sociais

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Fotos ou declarações postadas por internautas nas redes sociais podem servir de prova em casos que chegam à Justiça. Quem afirma é a juíza Rosarita Caron, titular da 2ª Vara do Trabalho de Taguatinga (DF), que já analisou casos envolvendo redes como Facebook e Whatsapp. Para a magistrada, contudo, as relações nas redes sociais não podem ser consideradas amizades íntimas, em seu conceito previsto no artigo 829 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Tem pessoas que têm mil amigos! Quem tem mil amigos hoje em dia? Isso não existe”.

Já em redes mais fechadas, como o Whatsapp, ou no uso do email, as pessoas podem se manifestar com liberdade de expressão. “Uma coisa é você divulgar no Facebook algum fato em relação a alguma pessoa, numa rede mundial que todo mundo pode ter acesso. Outra coisa é o Whatsapp, no qual para participar de um grupo você tem que ter permissão”. Os superiores podem até vir a demitir o funcionário por eventuais palavras ofensivas, mas não por justa causa, explica a juíza.

Confirma a íntegra da entrevista.

– Publicações em redes sociais podem ser usadas em audiências ou como prova para demissões?

Rosarita Caron – Acredito que muita coisa que é postada no Facebook pode chegar à Justiça e pode servir de prova, como também pode ter uma conotação totalmente diferente do que realmente a pessoa quis postar. No caso de amizade… Hoje em dia a palavra amizade tomou outras dimensões. Não é mais aquela amizade que a pessoa tem de intimidade, de trocar confidências. É uma amizade extremamente relativa. Ou é afinidade por determinado tema, ou porque gosta de um determinado time ou de um determinado esporte, as pessoas trocam informações. É diferente de se manter uma relação de amizade, na Justiça chamadade amizade íntima, que requer muito mais que isso: um contato mais físico mesmo, um contato presencial. Hoje em dia, no Facebook, você tem pessoas que têm mil amigos… Quem consegue ter mil amigos? Isso não existe. Então, em termos de relação de amizade, eu não acho que seja prova.

O que pode ser prova é o que a pessoa posta. O que ela “confessa”, ali no Facebook, que ela fez ou que ela tem intenção de fazer. Hoje, no Facebook, as pessoas postam tudo e qualquer coisa. É aí que mora o perigo. Postam coisas de intimidade, postam que chegam atrasadas ao trabalho, isso é prova. “Ah, eu nunca cheguei atrasada no trabalho”. Mas tá lá no Facebook que você chegou atrasado, que você fez isso ou aquilo com seu chefe. Isso é prova. Porque é uma declaração da pessoa.

– Se a pessoa, por exemplo, é marcada em uma foto num carnaval, e está de licença médica, de atestado?

Rosarita Caron – Muitas fotos são feitas e postadas com celular, com indicação de data, horário e local em que a pessoa estava. Se ela estava de atestado médico, por motivo de saúde, e estava pulando carnaval, isso é prova contra a pessoa. Não há dúvida.

– Já em redes mais privadas, com grupos ou conversas individualizadas, como Whatsapp, por exemplo. Pode se falar mal da empresa?

Rosarita Caron – Eu acredito muito na liberdade de expressão. Esse tipo de grupo é um pouco diferente do Facebook, uma rede que está aberta para todo mundo. No Whatsapp você escolhe as pessoas, e obviamente não tem grupos extensos como tem no Facebook. São muito comuns os grupos criados dentro das empresas nos quais acabam acontecendo outras conversas que não sejam relacionadas à própria empresa.

Eu já tive um caso assim. Uma gerente montou um grupo para conversar sobre as vendas da loja. Só que a partir do momento em que ela cria aquele grupo, as pessoas estam livres para se expressarem. Então elas tanto vão falar de vendas, como vão fazer piadas, brincar um com o outro, vão falar mal de alguém. Isso é próprio do ser humano. Mas é um grupo fechado.

Mas a empresa, de alguma forma não autorizada, teve acesso às conversas. A partir do momento em que invade esse grupo está ferindo o direito de expressão de seus empregados. Então, eu não vejo como podemos condenar as pessoas que estão no grupo.

– Isso vale para o email também?

Rosarita Caron – Se o email é da empresa, é corporativo, tem juiz que entende que a pessoa só pode usar esse meio com finalidade de trabalho. É diferente do email particular e do Facebook. Por email eu vou conversar individualmente com determinada pessoa.

– Se o funcionário fala mal, por email, do chefe, e alguém mostra para ele. O chefe pode demitir?

Rosarita Caron – Ele pode demitir. É o risco que se corre. É a liberdade que ele também tem, o poder diretivo que a empresa tem. Agora, daí a colocar isso como justa causa é outra coisa. O funcionário vai ser mandado embora porque falou mal dele, mas a empresa vai pagar seus direitos.

– E no caso do Whatsapp, que não é um grupo aberto como no Facebook? Pode falar mal do chefe em um grupo criado para tratar de assuntos de trabalho?

Rosarita Caron – Como é um grupo fechado, que direito a empresa tem de invadi-lo para saber o que está sendo dito por ali? Para ela fazer isso, das duas uma: ou uma pessoa do grupo autoriza que ela verifique, sem a permissão ou ciência dos demais, ou ela invade esse grupo de alguma forma – pega o celular de alguém do grupo e invade aquele grupo.

Eu acredito na liberdade de expressão. As pessoas que estão no grupo – mesmo que tenha sido criado como ferramenta de trabalho – tanto vão falar de coisas relacionadas à empresa como vão de assuntos das pessoas do grupo, isso é do ser humano.

Não entendo que o fato de a pessoa falar de alguma outra que não esteja no grupo seja motivo para justa causa, como já aconteceu em um caso que analisei. A empresa deu justa causa porque um empregado pegou o celular de uma colega e viu uma mensagem em que ela falava mal de um superior, e sem a autorização dela copiou e mandou para os chefes, que entenderam que deveriam dispensar a empregada por justa causa, porque ela deveria ter inibido o grupo de falar mal dos chefes, porque ocupava um cargo de gerência.

Eles queriam que a gerente censurasse a liberdade de expressão dos subordinados? Ela estaria descumprindo uma norma constitucional – da liberdade de expressão. E isso justificaria uma justa causa? No meu entendimento, não. O Whatsapp é um grupo fechado que, mesmo se tiver cem pessoas – o que eu acho difícil, a não ser em situações como em um Bloco, um condomínio – é totalmente diferente do Facebook.

Uma coisa é você divulgar no Facebook um fato em relação a alguma pessoa, numa rede mundial que todo mundo pode ter acesso. Outra coisa é o Whatsapp, no qual para participar de um grupo você tem que ter permissão. Se o moderador do grupo não quer te incluir quer dizer que não quer que você saiba o que ela está conversando. E ponto.

– Mas quem fala mal assume o risco de uma demissão…

Rosarita Caron – Da mesma forma que uma empresa não pode invadir a liberdade de expressão do empregado porque ele está falando mal de um superior hierárquico, o empregado também não tem como inibir esse superior – que tem o poder diretivo – de dispensá-lo. A única diferença é que a pessoa não vai poder dispensá-lo por justa causa.

Se você quer falar mal, você tem a liberdade de expressão para falar. Agora, você também tem que arcar com as consequências.

Fonte: Internet Legal